* Sérgio Ciquera Rossi

As presentes considerações não guardam qualquer pretensão de discutir as vantagens ou eventuais desvantagens acerca da possibilidade prescrita no artigo 1°, da Lei 9.307, de 23 de setembro de 1996, que dispõe que “as pessoas capazes de contratar poderão valer-se da arbitragem para dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis”.

Antes de adentrar ao ponto de interesse é necessário que se faça breve análise de alguns dispositivos e, bem assim, do entendimento de especialistas sobre a matéria.

De maneira bastante objetiva, a arbitragem “é a forma de solução de querelas por meio de atuação de um terceiro, o árbitro, ao qual são conferidos poderes, advindos de uma convenção privada para que, se for o caso, decida o conflito, sem intervenção estatal, com eficácia de decisão judicial” (Carmona, 2004, página 31 – citado pelo Ministro do S.T.J. Marco Aurélio Gastal di Buzzi in A Mudança de Cultura pela Composição de Litígios no I Encontro Luso-Brasileiro de Direito, Lisboa, 2013).

Isso significa que a arbitragem é instrumento destinado à solução de eventuais conflitos em contratos celebrados por pessoas capazes sem a intervenção do Estado, em outras palavras, sem a submissão do desencontro ao Poder Judiciário.

A justificativa de maior peso para que a arbitragem seja o veículo da resolução de impasse é evitar a submissão da pendência ao trâmite judicial de longo percurso em face das variadas instâncias, muitas vezes demorada e custosa à finalização do processo.

Creio que é isso que se possa entender do que escreveu Ada Pellegrini Grinover, igualmente mencionada pelo Ministro, ao sustentar que “ressurge hoje o interesse pelas vias alternativas ao processo, capazes de evitá-lo, encurtá-lo, conquanto não o excluam necessariamente”.

A arbitragem introduzida no Direito Brasileiro em nada difere das razões de sua adoção no Direito Internacional, é o viés escolhido para afastar a preponderância das decisões judiciais por conta do indesejável acúmulo de conflitos a serem solucionados.

Portanto, parecem claras as razões da opção pela arbitragem.

Ocorre que a Lei 9.307, de setembro de 1996, mereceu algumas alterações promovidas pela Lei 13.129, de maio de 2015, dentre as quais importa destacar a inserção ao § 1° do artigo 1°, que estendeu à administração a possibilidade de optar pela arbitragem para solucionar conflitos relativos a direitos patrimoniais disponíveis. Diz referido § 1° que “A administração pública direta e indireta poderá utilizar-se da arbitragem para dirimir conflitos relativos a direitos patrimoniais disponíveis”.

A premissa básica, é que a administração publica poderá servir-se da arbitragem, porém, exclusivamente quando envolvidos direitos patrimoniais disponíveis, o que significa que a aplicação do instituto está restrita à hipótese legal contida nesse § 1° do artigo 1°, ou seja, somente alcança a negociação de bens que estejam desembaraçados e suscetíveis de negociação. Aliás, o que não difere das relações entre pessoas de direito privado. Isso decorre do texto legal, mas é importante destacar que renomados doutrinadores – Celso Antônio Bandeira de Mello, por exemplo – não admitem que árbitros decidam contendas nas quais estejam em causa, interesses concernentes a serviços públicos.

É aqui que quero centrar as minhas considerações, buscando entender quais serão os procedimentos que a administração pública deverá observar quando optar pela convenção da arbitragem para resolver pendências oriundas de  suas relações contratuais.

A leitura da Lei 9.307, de 1996, não traça qualquer procedimento diverso daquele já disciplinado às relações privadas. Respeitosamente, imagino que a Lei 13.129, de 2015, ao estender a arbitragem aos negócios da administração pública, deveria estabelecer algumas linhas que assegurassem plenas garantias de que a opção pela arbitragem foi a mais adequada.

Talvez as minhas preocupações estejam deslocadas da temática principal, mas, de qualquer forma, me causam apreensão, por entender que a escolha pela arbitragem não afasta a administração pública de algumas responsabilidades que lhe são inerentes.

Assim, penso que a opção pela arbitragem deve estar prevista no edital da licitação e, bem assim, na minuta de contrato que deve acompanhá-lo, já que é absolutamente desnecessário lembrar que qualquer modelo de contratação, seja de concessão, parceria público-privada, alienação de bens, deverá ser precedida do certame licitatório na modelagem da correspondente lei de regência.

Não imagino que à administração pública seja possível composição que não tenha sido previamente ajustada, sob pena de desrespeitar o princípio da vinculação ao edital.

Chamou-me a atenção, também, o dispositivo do § 3° do artigo 2° da Lei 9.307, de 1996, alterado, nesse ponto, pela Lei 13.129, de 2015.

Diz esse § 3° que “A arbitragem que envolva a administração pública será sempre de direito e respeitará o princípio da publicidade”. Há, de se frisar, então, que o princípio da publicidade, não escapará de ser respeitado pela administração pública, sendo que o mesmo não se conclui no tocante às relações de direito privado.

Ora, o respeito ao mencionado princípio imposto aos negócios da administração pública não desobriga à observância do princípio da vinculação ao edital e, muito menos, ao princípio da economicidade. Afinal, não resta razoável que a administração pública mergulhe em negociação sem conhecer a prévia estimativa de custos, ponto de enorme relevância quando envolvidos recursos públicos. É o caso da fixação de honorários  do árbitro – inciso VI do artigo 11 – e o adiantamento de verbas para despesas e diligências - § 7° do artigo 13.

Essas preocupações desaguam, então, naquilo que considero mereça profunda reflexão, sobretudo diante de preceitos da Constituição Federal que me parecem inatingíveis quando da escolha pela arbitragem nos negócios da administração pública.

Já ouvi vozes que entendem incabível a intervenção dos órgãos de controle externo, os Tribunais de Contas, nas decisões tomadas pela arbitragem.

O argumento de sustentação é que as decisões da arbitragem igualam-se às judiciais, consoante regra do artigo 31, e que a sentença proferida pelo árbitro, juiz de fato e de direito, não fica sujeita a recurso ou homologação do Poder Judiciário, vide artigo 18, ambos da Lei de Arbitragem.

A meu ver, esse argumento não é suficiente para que se conclua pela impossibilidade de apuração dos atos pelo controle externo.

Digo isso, porque a opção pela arbitragem e consequente afastamento do Poder Judiciário decorre de acordo entre as partes, que pactuam não provocar a  intervenção do Judiciário,  enquanto as ações do controle externo, em especial, dos Tribunais de Contas, são voluntárias, com assento constitucional que lhes confere plena competência para exame de legalidade e economicidade de todos os atos de despesa custeados com dinheiro público.

Com efeito, a própria obrigatoriedade de respeito ao princípio da publicidade nas arbitragens envolvendo a administração pública, prevista na Lei 9.307, de 1996, sinaliza para a imprescindibilidade do controle social e institucional dos atos administrativos, sendo que, nesse último campo citado, o Tribunal de Contas desempenha papel essencial, a teor do disposto nos artigos 70 e 71, da Constituição Federal.

Assim, e tendo em perspectiva a ausência de disposições legais que, de forma diferenciada e delimitada, estabeleçam diretrizes acerca dos procedimentos a serem adotados na arbitragem e indiquem a extensão do conceito de “direito patrimonial disponível” no caso em que uma das partes é a administração pública, de fundamental importância que as Cortes de Contas atentem para a adequação da opção pela arbitragem e de seu processamento, de modo a coibir práticas que, ao final, mostrem-se danosas ao Erário, e, via de consequência, não preservem o interesse público.

Recomenda-se, portanto, cautela para que o mais barato não custe mais caro, com o que as Cortes de Contas não poderão transigir.

 

* Sérgio Ciquera Rossi é Secretário-Diretor Geral do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo (TCESP).